Relação entre paciente e profissional

Há quase um ano atrás eu tinha dois blogs, este e o Entendendo a Dor Orofacial no portal Odonto 1. Bem, no outro blog eu costumava dar a “voz” aos meus colegas especialistas, convidando-os a publicarem textos sobre dor orofacial.

Entretanto, descobri recentemente que o portal saiu do ar para reformulação e todos os textos ali se perderam… spacer

Acho por bem, então, os publicar aqui neste espaço. Quem não leu, terá a chance, quem já leu, irá relembrar!

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Dr. Rodrigo Estevão Teixeira

O primeiro que vou colocar é do colega Rodrigo Estevão Teixeira. Rodrigo é especialista em DTM e Dor Orofacial em Belo Horizonte – MG. A ideia do texto surgiu depois que assisti a sua palestra durante o CIOMIG de 2011, onde o Rodrigo palestrou sobre a relação entre dentista e paciente.

Obrigada (de novo) Rodrigo por compartilhar o texto!

Primeiramente gostaria de agradecer a Dra. Juliana Stuginsk pela oportunidade e pelo convite para escrever neste espaço. Gostaria também de parabenizá-la por sua dedicação aos assuntos relacionados à nossa especialidade o que certamente vem contribuindo muito para o seu desenvolvimento.

 

Trabalho com DTM & DOF desde 2002 sempre compartilhando minhas experiências tanto na área clínica como na docência com que considero meu grande mestre o Dr. Marcelo Mascarenhas. Mesmo assim confesso que quando fui convidado pela coordenação do DTM & DOF no VI Simpósio Brasileiro de DTM & DOF para falar do tema “Psicodinâmica da relação Dentista-Paciente em DTM” fiquei um pouco apreensivo, uma vez que, normalmente é um tema abordado com maestria por nossos colegas psicólogos. Entretanto entendi que a intensão era mesmo essa, ou seja, expor a visão de um Dentista, especialista na área e que tivesse experiência de atendimento em serviço especializado em DTM sobre a abordagem destes, às vezes, temidos pacientes dando ênfase para a prática clínica.

À medida que nossa experiência clínica vai aumentando ficamos mais observadores e criteriosos e isto não é privilégio de nossa especialidade. Se observarmos atenciosamente nossos pacientes vamos perceber que podemos classificá-los em determinados “tipos” de pacientes, em função de características bem particulares que por sinal na maioria dos casos influenciam o prognóstico do tratamento.

Durante o atendimento de pacientes com necessidades em DTM alguns fatores são de fundamental importância para o sucesso na condução do caso e muitas vezes simplesmente os ignoramos, a seguir citamos exemplos importantes:

a) Os efeitos que o profissional pode causar no paciente: importante aspecto nesta relação que não deve ser negligenciado é a que se traduz na posição de ajudador, assumida pelo profissional e de ajudado, que se enquadra o paciente. Frequentemente quem busca este tipo de ajuda se encontra fragilizado, sensível e bastante vulnerável em função dos seus problemas o que só aumenta nossa responsabilidade. Devemos lembrar sempre que quando estamos com o paciente, cada gesto, cada movimento, cada palavra pode ter um efeito enorme sobre ele.

b) Postura do profissional: durante o atendimento o profissional pode assumir uma postura que pode ser classificada como destrutiva, deixando o paciente ainda pior emocionalmente ou construtiva ao dizer palavras que vão deixa-lo melhor durante e após a consulta, tanto física como emocionalmente ainda que este “melhor” não signifique a cura!

                  Algumas dúvidas podem surgir quando estamos diante do paciente, sobretudo com profissionais que estão iniciando o atendimento na especialidade:

                  – Devo tocar o paciente, segurar sua mão?

                  – Posso fazer uma brincadeira para descontrair o ambiente?

                  – Será que seria bom para o paciente que eu o tranquilizasse em alguns momentos?

                  – Devo contar-lhe uma história de outro paciente, semelhante à dele e com final feliz?

Os mais entendidos afirmam que em algumas situações devemos simplesmente seguir nossa intuição, sem explicações, justificativas ou racionalizações! Desde que sempre seja levado em conta a relação causa-efeito!

                  Entrando um pouco mais na teoria relacionada com nosso tema, aproveito para chamar atenção para o que a Prof. Dra. Clara Feldman relata de forma brilhante em seu livro Atendendo o paciente sobre as habilidades que um profissional que atua na área de saúde humana deveria ter, mais precisamente das habilidades técnicas e interpessoais.

a)     Habilidades Técnicas seriam aquelas necessárias à prática diária, específica da especialidade e é exatamente sua falta que causa tanta angústia nos profissionais no início de carreira. Nesta etapa de nossas vidas sobram conhecimentos teóricos e faltam habilidades práticas necessárias ao atendimento do paciente.

b)     Habilidades Interpessoais são aquelas que cada um de nós tem para se relacionar com o outro e por isso não estão necessariamente relacionadas com experiência profissional, podendo ser grande mesmo nos profissionais em início de carreira.

A autora ainda chama atenção para outro aspecto importante envolvendo estas habilidades, apesar do ideal ser a convivência das duas de maneira equilibrada durante nossa vida profissional, percebe-se em alguns profissionais que à medida que suas habilidades técnicas se desenvolvem as interpessoais passam a ser de certa forma negligenciada, influenciando diretamente na qualidade do atendimento que pode, por isto, se tornar extremamente técnico e burocrático.

Quando indagado sobre a dificuldade de abordagem de pacientes com necessidades em DTM costumo dizer que dentro da odontologia existe um perfil ideal de profissional para esta área. Neste perfil considerado ideal o profissional necessariamente dever possuir as já comentadas habilidades interpessoais, além de treinamento e capacitação técnica. Uma prova disto está no diagnóstico das alterações de etiologia psicossomáticas onde fatores emocionais estão diretamente relacionados com os sinais e sintomas observados ou queixados pelo paciente e exigem habilidade e sensibilidade do profissional para perceber e tratar a causa principal.

Outro aspecto complicado desta relação está relacionado ao atendimento de paciente considerados antipáticos, neste caso apesar de sabermos que simpatia sempre foi e é pré-requisito para que haja empatia, em muitos casos a primeira impressão do nosso cliente pode ser desagradável ou até mesmo antipática. Muitas vezes o próprio sofrimento e as tentativas frustradas de tratamento são os responsáveis por toda aquela aspereza inicial. Insistir no atendimento demonstrando comprometimento com a situação pode, em alguns casos, se transformar em um experiência agradável e até em um bom relacionamento ao final, mas se perceber que não há um retorno por parte do paciente, mesmo com várias tentativas, o melhor para os três pode ser mesmo o encaminhamento, sob pena de comprometer o andamento do tratamento. Quando digo para os três me refiro ao paciente, a você mesmo e ao colega que recebeu o paciente, cuja relação com ele pode ser totalmente diferente!

Como a rotina de um serviço especializado em atendimento de paciente com necessidades em DTM &DOF pode influenciar nesta relação:

Nesse aspecto iniciamos falando um pouco sobre a consulta inicial. Trata-se de uma etapa importantíssima do tratamento e para que seja realizada com qualidade deve ser realizada de forma criteriosa. Nesta etapa podemos destacar, entre muitos, alguns aspectos que não deveriam ser negligenciados em hipótese alguma, tais como: a) reservar tempo suficiente: em alguns casos pode ser necessário ficarmos mais de uma hora com nosso pacientes para escutar todas suas queixas e avaliar todos seus exames; b) durante o atendimento atentar para os fatores físicos sem se esquecer dos fatores emocionais que podem estar presentes e muitas vezes justificar seus sintomas (psicossomáticos); c) Ser criterioso na utilização de termos técnicos, sabendo que o interessante é que o paciente saia da consulta entendo tudo que lhe foi dito. Isto certamente irá ajudar na cooperação com a proposta de tratamento e o que considero extremamente importante irá equalizar as expectativas suas com as dele; d) considerar que em muitas situações para concluir o diagnóstico e elaborar um correto plano de tratamento será necessário consultar outros colegas, odontólogos, médicos, fisioterapeutas entre outros profissionais de saúde, além é claro de exames laboratoriais ou de imagem; e) quando for o caso, anotar tudo a respeito das medicações que estão sendo utilizadas seus possíveis efeitos colaterais ou de interação, destacando aqui a utilização dos antidepressivos ISRS (Inibidores seletivos de recaptação de serotonina) cuja prescrição vem aumentando em escala exponencial nos últimos anos e que podem potencializar o apertamento dental de alguns pacientes.

A capacitação dos funcionários que trabalham neste tipo de serviço também merece destaque, tendo em vista que também se relacionam diretamente com os nossos pacientes,  sendo que alguns deles são responsáveis pelo primeiro contato. Devem estar preparados para receber pacientes extremamente estressados, tensos e ansiosos, além de frequentemente ser  encontrarmos alguns muito exigentes. Neste quesito é fácil entendermos que uma pessoa que está com dor (na maioria das vezes há muito tempo) não vai chegar com cara de muitos amigos. Os funcionários, principalmente os da “linha de frente” como os da recepção, responsáveis pelo primeiro contato com este paciente devem ser treinados para lidar com situações de impaciência, rispidez e intolerância. Além disto, devem ter sensibilidade suficiente para perceber quando o paciente está com limitações para falar ou até mesmo perceber quando não querem se expor na frente de outras pessoas. Informações confidenciais ou que de alguma maneira podem expor o paciente não devem ser colhidas na presença de estranhos, para isto a estrutura física deve propiciar uma espaço apropriado. Sem me estender muito mais destaco aqui a importância de um planejamento do espaço físico na hora de construir ou reformar seu ambiente de trabalho, sobretudo o planejamento apropriado para abrigar a recepção de clientes. Em síntese, o treinamento de nossos funcionários deve ter como objetivo sempre acolher este paciente complicado da melhor forma possível.

Concluindo nosso papo a respeito desta complexa relação ao qual convivem Dentista e pacientes com necessidades em DTM destaco algumas particularidades de nossa profissão especialmente no que diz respeito à especialidade de DTM & DOF que podem influenciar diretamente esta relação. Iniciamos pela falta de profissionais capacitados para este tipo de atendimento, algumas universidades ainda nem incluíram a disciplina DTM & DOF em seu currículo. A dificuldade que nós Dentistas temos em lidar com dor crônica, ressaltando que boa parte se deve pelo tecnicismo e imediatismo que somos treinados ao longo de nosso curso, situação que é bem diferente de nossos colegas médicos e fisioterapeutas, dificuldade também observada para lidar com os casos de recidiva e para se definir critérios de retorno e de alta. Além disto a complicação que é falar de dinheiro com o paciente chorando em sua frente pode nos deixar numa “sai justa” e finalmente não podemos deixar de comentar  as várias dúvidas e controvérsias que temos ainda à esclarecer no que diz respeito aos protocolos de tratamento em DTM & DOF e que muitas vezes são motivos de discussões calorosas entre colegas de especialidade.

Gostaria de encerrar deixando para os colegas uma equação que a Dra. Clara Feldman descreve em seu livro Atendendo o paciente; a Equação da Ajuda, que resume muito bem nosso assunto além de destacar as qualidades mínimas necessárias para um profissional que deseja trabalhar com DTM & DOF: DISPONIBILIDADE + AFETIVIDADE + HABILIDADES TÉCNICAS + HABILIDADES PROFISSIONAIS. Espero ter contribuído com todos os colegas e aproveito para deixar um abraço a todos!

 

 

RODRIGO ESTÊVÃO TEIXEIRA, MSD & PhD.

E-MAIL: RETODONTO@YAHOO.COM.BR

Av. Bandeirantes, 412, Mangabeiras, Belo Horizonte/MG.

Telefone: +55 31 3223 7177

 

 

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