Diante do assunto, que se referia ao congraamento de grupos religiosos, o poderoso Simo, sbio israelita desencarnado, considerou, sorridente:

    - Semelhantes problemas j vicejavam em torno do prprio Cristo...

    E, vista da curiosidade geral, o ancio relatou:

    - Efraim, filho de Bunan, era um chefe prestigioso dos fariseus, considerado cabea dos hiletitas, que, ao tempo do Senhor, eram francamente mais liberais e mais instrudos que os partidrios do Rabi Schammai, fanticos e formalistas. Judeu profundamente culto, Efraim, aos 40 anos de idade, j se fizera autoridade mxima dos herdeiros espirituais de Hilel, o admirvel doutor das Sete Regras... Excessivamente rico, dispunha no somente de valiosas terras cultivadas e de formoso palcio residencial em Jeric, onde sustentava largo prestgio, mas tambm de casas diversas em Jerusalm, vinhedos e campos de cevada, rebanhos e negcios importantes na Sria. Entretanto, no era s isso. Era o depositrio dos recursos amoedados de companheiros numerosos. Todo fariseu hiletita que se lhe vinculasse amizade hipotecava-lhe confiana e, com isso, os prprios bens. Transformara-se-lhe a fortuna pessoal, desse modo, em extensa formao bancria, recolhendo depsitos vultosos e pagando juros compensadores. No centro da organizao, cujos interesses financeiros se expandiam, constantes, era ele, embora relativamente moo, um orculo e amigo...

    O narrador fez longa pausa, como se nos quisesse monopolizar as atenes, e prosseguiu:

    - Devotado leitor da Mischna e apaixonado pelas doutrinas do antigo orientador, que tudo fizera por desentranhar o esprito da letra na interpretao das Escrituras, Efraim ouviu, com imensa simpatia, as notcias do Reino de Deus, de que Jesus se revelava portador. Assinalando o dio gratuito com que os fariseus rigorosos investiam contra o Mestre, mais se lhe exacerbou o desejo de um contato direto. O Mestre nazareno falava de amor, concrdia, humildade, tolerncia. Operava maravilhas. Trazia sinais do Cu, no alvio ao sofrimento humano. No seria ele, Jesus, o mensageiro da suprema unio? Desde muito jovem, sonhava Efraim com a aliana de todas as crenas do povo de Israel. Mantinha habitualmente conversaes pacficas com saduceus amigos, bem colocados no Sindrio, buscando a suspirada conciliao, sem resultados. De entendimento seguro com os shcammaitas, desistira. Fatigara-se de intrigas e sarcasmos. Diligenciara colher os pontos de vista dos nazarenos e samaritanos, conhecidos por opinies menos estreitas, ouvira compatrcios mentalmente marcados pelas inovaes de credos estrangeiros, quais os que se mostravam em ativa correspondncia com a Grcia e com o Egito, mas tudo debalde... Controvrsias entrechocavam-se, quais farpas afogueadas, incentivando perseguies... Demandara retiro deleitoso de essnios, em cuja intimidade repousara, durante alguns dias, anotando, encatado, vrias referncias em derredor dos ensinamentos do Cristo. No entanto, mesmo a, no seio de coletividade consagrada comunho de bens, no servio da agricultura, encontrara antagonistas intransigentes, que no vacilavam no escrnio sobre os profitentes de outras convices... A pouco e pouco, amadureceu o projeto de ir em pessoa ao encontro de Jesus, o fascinante condutor de multides, a fim de expor-lhe o magnfico projeto. Reunir, enfim, os descendentes das doze tribos, eliminar para sempre as discusses e estabelecer a solidariedade real... Assim pensando, ao sab-lo em atividade, alm no Jordo, Efraim arrancou-se do lar, tentando surpreend-lo.

    Aps algum tempo, achou-o entre homens cansados e tristres e, ao fit-lo, enterneceu-se-lhe o corao. Como que tocado de luz invisvel, olhou para si mesmo e envergonhou-se das jias que trazia, conquanto adotasse, naquela hora, a indumentria que lhe era comumente mais simples. Tomado de funda emotividade, receava agora a almejada entrevista. Sentia-se inibido, pequeno de esprito. Sofreava, a custo, as prprias lgrimas... Sim, conclua consigo mesmo, dirigir-se-ia ao Mestre das Boas Novas na feio de aprendiz, ocultaria a prpria grandeza individual... Magnetizado, por fim, pelo sereno olhar de Jesus, dirigiu-se at ele e perguntou:

    - Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?

    Fugindo lisonja, respondeu o Cristo:

    - Por que me chamas bom? No h bom seno um, que Deus. Mas, se queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos.

    - Quais? - tornou Efraim, preocupado.

    E Jesus enumerou alguns dos antigos preceitos de Moiss:

    - Amars a Deus sobre todas as coisas; no matars; no cometers adultrio; no furtars; no pronunciars falso testemunho; honrars teus pais; amars o prximo como a ti mesmo...

    Efraim, que no se esquecia da prpria condio de prncipe da cultura e da finana farisaicas, ajuntou, sorrindo:

    - Tudo isso tenho observado desde a minha juventude.

    O mestre, no entanto, fixou nele os olhos lcidos, como a desvendar-lhe o mago da alma, e considerou:

    - Algo te falta, ainda... Se queres aperfeioar-te, vai, vende o que tens, tudo entregando aos pobres, e ters um tesouro nos Cus... Feito isso, vem e segue-me.

    O poderoso dirigente dos fariseus, contudo, ao ouvir essas palavras, recordou subitamente as enormes riquezas que possua e retirou-se muito triste...

    Veridiano, um amigo que nos partilhava os estudos, indagou, logo que o relator deu a narrativa por terminada:

    No ser essa a histria do mancebo rico, mencionada no Evangelho?

    Simo esboou largo sorriso e informou:

    - Sem mais, nem menos...

    E assinalando-nos a surpresa, concluiu, sem nos fosse possvel aduzir, depois, qualquer comentrio:

    - A fuso de agrupamentos religiosos no mundo assunto muito velho. aconselhada com ardor, aqui e ali; entretanto, quando se fala em esvaziar a sacolinha, em favor dos necessitados, para que o amor puro garanta a construo do Reino de Deus, nas foras do esprito, quase todos os patronos da apregoada unio se afastam muito tristes...

Extrado de
Contos Desta e de Outra Vida, ditado pelo esprito Irmo X (Humberto de Campos), psicografia de Francisco Cndido Xavier, FEB.

P.S.: Moral da historinha: S a Asneira grande. mais fcil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um mancebo rico entrar no Reino do Cu...

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O Mancebo
Rico
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